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segunda-feira, 1 de abril de 2013

"Incitamento à guerra étnica?!" Eu?


Esta é a segunda parte da entrevista ao jornalista Guineense António Aly Silva . Desta vez Aly conta-nos porque se candidatou a PR, como o seu blogue se tornou num dos mais fortes em África, como foi detido a 13 de Abril de 2012, o trauma provocado pelo golpe de estado, e as soluções propostas para o seu País voltar à estabilidade e encontrar um caminho no contexto regional e internacional .

No dia 13 de Abril de 2012, no golpe de estado, foi detido pelos militares pouco tempo depois de ter deixado um ‘Apelo dramático à comunidade internacional’ no seu blogue. O que aconteceu?
  O Golpe já eu previa. Aliás, uma semana antes, perguntava se íamos mesmo ter segunda volta nas eleições, tudo indicava que não… e aconteceu.
   Eu, felizmente, estava lá perto, na esquina da embaixada do Brasil, quando um amigo meu vem de mota e diz-me que estavam a chegar militares à casa do primeiro-ministro. Eu na minha ingenuidade ainda lhe disse que se calhar iriam protegê-lo por causa de informações do outro candidato, mas pelo sim pelo não fui com ele. Meti o iPad no braço, comecei a filmar, passei e por acaso vi eles a chegarem. Quando nos  voltámos e chegámos à esquina, ouvimos o primeiro rebentamento. A partir daí fomos corridos de lá para fora, nem o meu carro deixaram tirar. E começou assim, tão depressa quanto acabou, não durou muito. Os alvos estavam definidos, estavam cercados, foi só chegar e levá-los.
 Nessa noite fui detido. Morava na Rua de Angola perto do primeiro-ministro. Estava a ir para casa, ia trabalhar no blogue, atualizá-lo, quando oiço alguém a engatilhar a arma. Quando olho, vejo um militar sozinho, com uma arma apontada, que me perguntou o que eu levava no braço, ao qual eu respondi ser um computador de trabalho. Ele disse que eu teria de ir com ele, e assim foi. Iam levar-me precisamente para a casa do primeiro-ministro porque era lá o quartel-general. Entretanto andei 100 metros e dei-lhe uma nota de 10 mil francos . O militar nem olhou para mim, pegou na nota, foi-se embora e disse-me para eu ir para casa. Eu fui para o hospital, fiquei lá à espera para ver se havia feridos ou mortos.   Entretanto nessa noite, mesmo no hospital, estava dentro de uma ambulância velha, escondido, e escrevi o tal ‘Apelo dramático à comunidade internacional’ , de manhã, por volta das 10 horas, atualizei o último post, dei uma entrevista a uma rádio de cabo verde e fui para casa. Quando voltei a sair de casa e entrei no carro, vi, a 200 metros, um carro, mas como já havia muita movimentação de tropas a descer e a subir pensei que fosse a mesma coisa. Quando entro no carro em vez de subir a rua faço inversão de marcha, mas quando começo a andar já estavam em cima de mim. Tentei ir por uma rua que estava completamente esburacada, mas apontaram-me armas, levei com uma arma na cabeça e levaram-me.

E  quanto tempo esteve detido?
 Desta última vez fui detido às 10h30 da manhã e fui liberto entre as 18h30-19h da tarde. 
Houve muita pressão das embaixadas. Aliás, o motivo pelo qual me meteram na cela foi porque toda a rádio falava no meu nome e também a RTP África, então eles disseram mesmo: “metam lá esse gajo na cela, não o queremos aqui “ e foi assim. Acho que eles estavam mais apavorados do que eu (risos).

Já tinha sido detido anteriormente?
 Sim, já! Tenho 90 pontos de 1992, na época do Nino Vieira em que também fui preso e espancando. É o hábito. Já estou vacinado.

E durante esse tempo foi mal tratado?
 Não. Fui tratado com respeito desde que lá cheguei. Bem, ouvi as “bocas” próprias dessas ocasiões, mas nada mais.

Saiu da Guiné-Bissau no dia 26. O que aconteceu?
 Eu estava em casa, no primeiro andar. Entretanto a minha irmã subiu e disse-me que havia pessoas que me queriam falar (o que era normal). Eu desci, reconheci uma delas e vi que era militar, não estavam fardados e estavam num carro descaracterizado. Perguntaram-me se eu sabia o que estava no banco de trás. Eu reconheci ser uma bazuca RPg 7 ,uma arma para disparar contra tanques, não contra pessoas. Disseram-me para ter cuidado e foram embora. Assim que foram embora, peguei em três camisas, umas calças, coloquei na mochila e saí de casa. Comprei o bilhete de avião, foi arriscado, mas comprei. Não vos vou contar como consegui entrar no avião mas consegui e saí às 23h30 da noite.

E para onde foi?
 Saí de Bissau para Dakar, onde me instalei. Uma semana depois, um amigo meu, que tinha viajado também para Dakar, avisou-me para ter cuidado pois o Diretor dos serviços de informação teria apanhado o mesmo vôo e na reunião do Conselho de defesa havia um Procurador-Geral a fazer um mandado internacional de captura por crime de “incitamento à guerra étnica”. Fiquei então em Dakar mais três dias, depois apanhei novamente o avião e cheguei a Portugal. Cheguei de manhã e soube que estiveram a falar com o governo Senegalês. Perguntaram por mim e quando foram informados que eu tinha saído nessa madrugada, alguém disse “Graças a Deus”, ou seja, estava tudo planeado, talvez, para me sequestrarem.

Sente-se mais seguro aqui em Portugal?
 Nem por isso, mas estou livre. Aliás vou voltar à Guiné daqui a um mês se Deus quiser!

Como é que o blogue ditadura do consenso se tornou num dos mais fortes em África, sendo a Guiné Bissau um dos países mais pequenos do continente?
 O Blogue foi criado em Portugal, após ter saído do jornal “O Independente”. Quando saí fui para a Visão e depois fundei um jornal, e foi aí que criei o blogue, em 2004.
 O ditadura do consenso tem 6 milhões e meio de visitas e neste momento que estamos a falar deve ter mais um bocadinho. Mas… não sei explicar, não estava à espera. Fiz o Blogue por “carolice”. Era brincadeira minha, quando não estava no jornal estava a escrever no blogue e agora o problema é pará-lo (risos).

Pensa parar o blogue?
 Neste momento estou a trabalhar no livro sobre o blogue, espero em Maio já estar terminado. Mas um dia o blogue há-de terminar. Desgasta-me muito e só me dá problemas. O que eu não queria nunca era sair da Guiné, mas teve de ser. Mas se for o caso de voltar para a Guiné e tiver de deixar o blogue, deixo.

Mas o Blogue não é a melhor forma de expor os problemas do País e dos Guineenses?
 Sim, é mais prático de chegar às pessoas. Mas não me sinto limitado porque mesmo em Bissau uso o telefone, iPad, tenho internet 24 horas e o blogue não pára. Há dias de crise na Guiné que o blogue chega a 50 mil. O blogue torna-se quase uma televisão em direto. As notícias são tão intensas e o feedback que tenho é impressionante.

Como é que um Jornalista se candidata a PR?
 Eu fui para candidato a pré-candidato e foi mesmo só por brincadeira. Mas não posso dizer que amanhã não possa entrar na política. Aliás, eu comecei na política, não foi por causa do jornalismo que eu fui preso em 1992, foi por causa da política.

Mas se envergar pelo caminho politico como é possível exercer um jornalismo descomprometido?
 O meu blogue é do cidadão e do jornalista. Aqui em Portugal todos os políticos têm um blogue e o que não dizem em público dizem no facebook por exemplo. Para já não tenho ambições políticas, mas mais tarde quem sabe.

Que soluções propõe para Guiné Bissau?
 A única maneira da Guiné fazer parte do resto do mundo, a meu ver, é através de uma força de estabilização e o país tornar-se num protetorado tal como Timor. A Guiné Bissau será viável quando isso for feito, caso contrário nunca será, pois qualquer pessoa que tenha uma arma na Guiné faz um Golpe de Estado, e um Golpe de estado não é só remover as peças, é gente que morre de ataque cardíaco,gente que morre por tensão alta, famílias assustadas a fugir, tudo isto são traumas com que as pessoas ficam. 

Cláudia Martins e Cláudia J. Matos 

quarta-feira, 27 de março de 2013

«A Guiné está completamente de joelhos»


António Aly Silva, é a voz que nos dá a conhecer a realidade da Guiné-BissauDepois de ser detido sem acusação em Bissau, o jornalista António Aly Silva decidiu refugiar-se em Portugal. É em Lisboa que continua a alimentar o maior blogue do continente africano, Ditadura do Consenso, que conta mais de 6,5 milhões de visitas. Na primeira parte da entrevista exclusiva ao LusONDA, Aly explica como os políticos se demitiram da gestão do pequeno país africano, como a Guiné se tornou num narcoestado e como o resto do mundo decidiu ignorar o «problema guineense» e assobiar para o lado. A segunda parte desta entrevista será publicada na próxima semana.

Qual a situação atual da Guiné e quem domina a política de hoje?
 A Guiné Bissau, a 12 de abril de 2012, teve um golpe de estado em que o governo eleito acabou por ser derrubado, tendo sido adiada a segunda volta das eleições. Até hoje temos um governo imposto por 4 países da nossa sub-região que é a CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), temos um presidente igualmente imposto e um país bloqueado política e económicamente.   A Guiné foi expulsa da União Africana, não é reconhecida por nenhum País da União Europeia, não é reconhecida pelas Nações Unidas, e tudo isto a somar à fragilidade do próprio Estado. É traumatizante até porque do povo ninguém fala. As pessoas falam em meia dúzia de políticos que querem poder e ninguém se lembra que quem vota nos políticos é o povo de quem, infelizmente, ninguém quer saber.


São várias as notícias que acusam a Guiné Bissau de se tornar num narco-estado. Até mesmo a ONU apelidou assim o país. Que soluções propõe?
 O problema da droga é muito complicado. A ONU estima que cerca de 900 kg de cocaína chegam por dia a Guiné-Bissau. A Guiné consegue exportar cocaína 40 vezes superior ao seu PIB num ano e isto tem as suas consequências. Não para nós porque não consumimos e nem temos sequer dinheiro para comprá-lo, mas a Guiné é tipo um “trampolim”, onde todos chegam, metem e saltam.
 Mas o mais extraordinário é que toda a gente fala da droga mas ninguém aparece para dizer ‘vocês não têm meios mas nós podemos ajudar’ .
 A Guiné é um país pequeno e está completamente de joelhos.

Que papel poderia potencialmente ocupar a Guiné, num contexto mundial ou regional?
 Assim, de repente, nenhum. Quando um país não é reconhecido por exemplo pelos maior parceiro bilateral, que é a União Europeia, é complicado. Quem reconhece a Guiné são apenas quatros países da CEDEAO: o Senegal, o Burkina Faso, a Nigéria e a Costa do Marfim. De resto, mais ninguém. E a CEDEAO é um conjunto de 16 estados, mas só 4 é que impõem...

Neste momento quem é o inimigo? Políticos, militares ou o narcotráfico?
 Isto do narcotráfico ser o inimigo até certo ponto pode ser verdade. Eles têm dinheiro, e num país sem ordem, sem leis, o narcotráfico quer é países assim. Quando se fala em narcotráfico fala-se também em terrorismo. Procuram países instáveis em que as pessoas são facilmente subornadas onde a corrupção é endémica, onde o analfabetismo é cronico e é isto que me preocupa. A Guiné-Bissau ser deixada assim. Começamos a ouvir todo o tipo de discursos que são disparates autênticos. Antes de Junho ou Julho irá haver um problema outra vez. E ai vão dizer o quê? A Guiné-Bissau está num estado que considero anárquico. Um país onde o Estado existe apenas em Bissau e onde há alcatrão. E quando tens um país como o nosso, que tem um território marítimo maior que o continental, um país que tem 90 ilhas e quando não há praticamente Estado dentro da capital... podemos esperar o pior. Temos ilhas desabitadas que são autênticos armazéns de cocaína.
É triste porque a Guiné Bissau é um país membro das Nações Unidas, da União Africana, da CEDEAO mas não faz parte da agenda Internacional. Está esquecida.

Cláudia Martins e Cláudia J. Matos