À Conversa com... Simone de Oliveira e Márcia Breia ( Parte IV)
L: Como é que é ser
artista, em tempo de crise?
S.O: É viver com o que há. Continuar a ser digno, continuar
a fazer aquilo que se faz com paixão e com verdade, continuar, até porque
qualquer país tem de continuar a ter músicos, bailarinos, atores, atrizes,
tudo, tem que continuar.
M.B: Numa área que eu conheço muito bem, que é o teatro,
também num país como o nosso, pequeno, não com as vistas muito profundas e não
muito esclarecido… não se pode entregar os teatros ás bilheteiras e toda a
gente tem direito ao seu projeto artístico, mais complicado, menos complicado…
Essas companhias eram, normalmente, subsidiadas, outras viviam, realmente, só
da bilheteira… o que em alguns casos eu achei sempre muito errado. Como é que se
deixa um circo morrer, entregue a uma bilheteira?... e é uma arte necessária,
foi sempre. Não estou a falar das “enjeroquices” que, às vezes, as pessoas
inventam para brilhar e não sei o quê, não. Estou a falar de coisas concretas
que pertencem ao status todo de uma nação, de um país, de um povo… levaram uma
grande machadada!
Estou a falar do teatro, mas a música também, o bailado
também, quer dizer, eu, pessoalmente, se tivesse algum poder de decisão dentro
desse tipo de pessoas, fazia uma coisa que acho que se devia fazer… Ninguém faz
mais nada! Fecham-se as portas… Não é destruir ou dissolver as companhias
todas, nada disso! Acabámos, não fazemos mais! Não há palhaços, não há coisa
nenhuma, não temos dinheiro para… e depois vai-se ás entidades competentes que
estão na Comissão Europeia dizer: Em Portugal, fecharam todas as atividades
culturais, por não haver qualquer apoio, por termos sofrido os maiores cortes…
É uma vergonha! Não é possível ter um país, da União
Europeia, que não tenha uma atividade cultural, alguma coisa deveria sair daí.
É um país, onde o único jornal que as pessoas leem é o Metro,
porque o entregam na estação, já nem os jornais as pessoas leem, os jornais
estão a apanhar a maior pazada de todos os tempos…
Ao São Carlos, continuam a ir as pessoas que têm dinheiro.
Mas as pessoas não terão direito a um tipo de cultura mais “rafinhé”, tem de
ser tudo casca grossa e vamo-nos rir, não.
L: Porque é que acha
que a classe de reformados é tão atacada e porque é que a comunicação social dá
uma maior importância aos reformados com pensões milionárias?
S.O: Enquanto eu me
lembrar daqueles senhores muito ricos que foram fazer aquela situação de angústia,
que tinham 57 mil euros de reforma e tiraram-lhes 7 mil…Entrou lá um senhor… se
eu soubesse que, naquele dia, eles estavam lá, eu tinha lá ido com ele, não
tinham lá em casa um filhos que lhe dissesse: “ Oh pai, é melhor não se meter
nisso… alguma pessoa que ganhe 350 euros por mês vai lá e é capaz de lhe dar
uma grande tareia”. Fazem uma reunião de indignados, porque lhes tinham tirado
7 mil euros de reforma… por amor de Deus! O que é isto? Isso é notícia? Claro
que é notícia… naturalmente, não é notícia a senhora que vive em Moimenta da
Beira e que, coitada não tem um bocadinho de pão para comer e aqueles senhores
dão notícia, são capa de revista.
Querem muito fazer capa, fazer capa… ou é muito pelas grande
desgraças, pelas grandes paixões, pelos grandes divórcios ou é pelas pessoas
ricas, que coitadinhas estão muito aflitas porque lhes tiraram 7 mil euros, por
amor de Deus!
M.B: Eu tenho uma visão irónica sobre isto. Acho que é a
maneira de resolver o problema da terceira idade, matando-nos a todos que temos
mais de 65 anos, à fome.
S.O: Achas? Nem que eu tenha de comer raízes pá! A mim não
me matam aí! Nós daqui a cinco anos, somos um país de velhos.
M.B: Ah ainda não somos?!
S.O: Ainda não, totalmente, mas põe lá mais cinco anos. Já
somos, mas daqui a cinco anos somos um país só de velhos, porque a gente nova
vai-se embora.
L: Existem pessoas
que já não se querem reformar, preferem continuar a trabalhar?
M.B: Mas isso, para mim, é outra jogada…
S.O: Está bem, mas eu também me reformei aos 65 e continuo a
trabalhar.
L: Como acham que
vamos (Portugueses) estar daqui a uns anos?
M.B: Eu não quero pensar muito nisso, porque já tenho quase
setenta (Risos).
S.O: Eu também não quero, porque tenho 75. O que é que quer
que eu lhe diga aos 75 anos? Tenho esperança… adoro viver! Não sei o que me
acontece amanhã, cai-me uma telha em cima da cabeça, eu sei lá.
Agora, se esta gente mais nova não tiver uma atitude
qualquer de querer… são vocês, não somos nós, que temos 65 ou 67 ou 75 …
L: O que pode ser
feito? Outro 25 de Abril?
M.B: Porque não.
S.O: Porque não.
M.B: Teria outras características…
S.O: Não era a mesma história, é outra história
completamente diferente. Mas nós, apesar de tudo, acomodamo-nos muito… isto é
uma chatice.
L: Acham que há uma
visão muito errada da profissão de artista? Que ganham muito bem e têm boas
vidas…
M.B: Alguns ganham.
S.O: Alguns ganham e alguns têm essas vidas, é uma
percentagem pequena, mas alguns ganham e têm essas vidas. Não vou dizer que
não, porque não é verdade, não somos é nós. Alguns ganham e têm essas vidas e
espero que tenham a calma e o bom senso para poderem continuar, durante o
resto… porque essa gente hoje tem uma idade muito nova. Há gente a ganhar bem e
há gente que merece, com certeza.
Agora os grandes glamours das revistas, não se esqueçam que
eles têm todos patrocínios e eu nem para a escova de dentes. Desde as malas, os
sapatos os carros…
Eu vou, sim senhora, vou ao Augustus e à Buda, vou lá pedir
emprestado, não tenho vergonha de dizer, depois devolvo. Mas eles têm
patrocínios contínuos.
M.B: Eu posso dizer, a maior parte desse “fru fru” de
glamour existe, porque existem já os meios apropriados para fomentar isso, que
são as revistas cor-de-rosa.
S.O: Claro. A gente não tem dinheiro para aqueles fatos
todos, aqueles sapatos, aquelas marcas todas. É evidente que não. Mesmo tendo
dinheiro, aqueles fatos custam, quer dizer… mas é evidente que há patrocínios
para tudo: para os perfumes, para os cremes, para os automóveis, para os
sapatos, para as malas…
M.B: Para as joias…
S.O: Para as joias. Depois há uma outra falanche que não,
que vai pedir, como eu sou capaz de pedir… mas não em continuidade. O carro é
meu, mas é meu, não fui pedir emprestado. Não é “toma lá o carro um ano ou
dois” e há. Ainda bem que têm, eu não estou a dizer isto com inveja.
O que vem nas revistas, quer dizer… é como aquelas fotos dos
paparazzis, forma muito bem preparadas, com certeza. Eles estavam naquele
sítio, na praia, atrás daquela árvore, apanhados ali de repente, por acaso …
(tom irónico).
M.B: Tens toda a razão…
S.O: Alguém que telefona e diz fulano ou beltrano vai
estar…. Por que há, porque existe, porque convém aparecer nas revistas. Se eu
encontrasse alguém, atrás de mim, com uma máquina… ia a máquina, ia o
paparazzi, ia tudo! Mas isso é uma coisa que existe, eu não estou a fazer uma
crítica, estou a fazer um comentário. Não faço uma crítica, porque não tenho
que a fazer, porque não aceito que me façam críticas a mim. Sobre esse aspeto,
tenho uma grande dificuldade…
L: Pedem-lhe ajudas
económicas?
S.O: Normalmente telefonam-me, sobretudo de instituições.
Isso, normalmente, se eu posso… para crianças, para hospitais, eu faço. Isso
pedem-me muito, é dia sim, dia sim, como borlas para várias coisas, borlas é
pro bono. Fiz todas na vida, todas! Desde que comecei a cantar, fiz tudo…não me
acusa a consciência de não ter feito uma… desde ser preciso cadeiras de rodas,
a hospitais, tudo! Se eu olhar para trás, naturalmente, não fiz todas as que me
pediram, porque se não, não tinha feito mais nada. Farei sempre que me pedirem,
deste que seja uma coisa sustentável, em que eu acredite.
Como farei para a APAV, porque eu acho a violência doméstica
uma das coisas mais drásticas, deste país… isso e a pedofilia. Eu capava-os a
todos, portanto…capava-os e depois mandava-os para o Alentejo cavar, oito horas
por dia, das oito da manhã às oito da noite. Dava-lhes o almoço, o jantar e a
água… punha-os a cavar ali…. Tenho muito pouca capacidade de perdão, para esta
gente… não tenho, não tenho nenhuma. Não percebo, não entendo, não quero
perceber… não dá, não dá, de maneira nenhuma, não dá.
Aline Araújo; Pedro Emídio; Rute Fidalgo
* Devido à sua dimensão, a entrevista encontra-se dividida em vários posts