À Conversa com... Simone de Oliveira e Márcia Breia (Parte III)
L: Concorda com a nova lei das faturas?
S.O: Para quê? Não serve para nada! Não serve para nada, filho. Eu para ter um desconto de duzentos euros, tenho de gastar em cafés e restaurantes dois mil e não sei quantos euros… tá doido. Não deve estar bom da cabeça, com certeza.
M.B: Esta lei da fatura vai penalizar, mais uma vez, as profissões pequenas… a biquinha, a bica, como eu costumo dizer. Vai ao café beber uma bica e uma madalena, quero fatura sim senhor, porque se eu tiver duzentos contos de fatura abatem-me… isto tem outro nome, chama-se fiscalizar! Estão-me a obrigar a mim a fazer o trabalho que devia ser feito pelos técnicos! Não sou eu que tenho de exigir, a um estabelecimento que me dê fatura. O estabelecimento … tem de estar na cabeça dele e em condições, está aqui a sua fatura. Não sou eu que tenho que ser fiscal.
S.O: Obrigam-nos a ser fiscais, quase de nós próprios. Isso é uma coisa muito complicada para mim também.
L: E, em relação, à nova lei dos arrendamentos, o que acha?
S.O: Reparem uma coisa, há prédios velhíssimos, há rendas a 50 euros ou 60 euros… agora, sim senhor, eu percebo que os donos desses prédios terão algum direito… agora, para uma pessoa que tem 350 euros de reforma, se se passar a renda para 400 euros… o que é que faz? Atira-se ao rio, não é?! Tinha de ser uma coisa bem pensada, bem estruturada. Aquilo que eu tenho sensação é que é tudo em cima do joelho. Eu percebo que há os prédios abandonados aí, porque as pessoas não têm dinheiro… Sabe o que isto é? É uma grande negociata! É uma grande negociata… agora, pobres das pessoas, por quem eu tenho a maior dos respeitos, eu detesto a caridadezinha, é uma coisa que eu detesto…
Mas eu pergunto a mim própria, como é que uma pessoa que pagou, toda a vida, quarenta ou cinquenta euros por uma casa e que, de repente, agora, tem de pagar 300 se tem de reforma 350…
M.B: Isto é tão confuso e, realmente, as pessoas estão tão perdidas que é assim… eu sei de casos de pessoas que têm rendas muito baixinhas, mas que poderiam ter bastante mais altas. Até porque têm casas de férias e outras coisas… Mas também, não é o caso da maior parte e o problema é que isto foi sempre um assunto que também está muito mal resolvido, porque eu ponho-me a pensar se eu herdasse um prédio de três andares na Baixa, que acontecesse a muito boa gente, herdaram do tio-avô que ainda tinha para lá o prédio, eu ficava apavorada. Vender? Ninguém me iria comprar coisíssima nenhuma agora. Eu também ter um prédio, com rendas ao todo de cento e tal euros, os andares todos… se eu quiser arranjar a telha de cima e… a pessoa coitada, tem o direito “está-me a chover em cima e você é que é o dono do prédio” eu diria “Eu gostava imenso de a ajudar, mas eu também não tenho dinheiro para as minhas telhas”. Há situações que a pessoa também não sabe resolver. Efetivamente, havia rendas escandalosamente baixas, mas há caos e casos e isso é muito fácil de perceber quais são os casos.
Porque eu, neste momento, vejo, toda a gente, a esmifrar-se para fazer uma folhinha e aí já estamos mal, como portugueses… Como é que um Português olha para a folha do IRS e preenche, sentadinha, com toda a calma. Eu tinha de ter um curso, porque muito que eu queira perceber e por muito que eu queira ser intuitiva, não! É complicado…
Agora veja, as pessoas são vigiadas por essa mágica folha de IRS. Nas escolas, os miúdos tinham acesso a uma escolaridade mais baixa, se o IRS dos papás ou da mãe ou do encarregado de educação… há pessoas que realmente necessitam e há outras que realmente não necessitam. Agora o que se passa connosco, na maior parte dos casos e com toda a gente, é que todos querem necessitar. Também é um grande problema.
S.O: Ainda há pouco um senhor, na televisão, que apanha disto, daquilo e daqueloutro, precisava de 80 empregados, funcionários para a apanha, não sei se da azeitona ou se de alguma coisa assim, só que as pessoas que estão no fundo de desemprego queriam ir para lá e continuar a receber o fundo de desemprego… e desses 80 ficaram 6.
L: Gosta mais de Portugal antes ou depois do 25 de Abril?
S.O: Depois do 25 de Abril, evidentemente. Antes, não podíamos estar a ter esta conversa, começa já por aí. E o 25 de Abril e dar a liberdade a este país foi extraordinário, nem sequer tem discussão. Para mim, não se põe em discussão, 25 de Abril ou o que quiserem… liberdade sempre! Agora, liberdade com responsabilidade! Isso, às vezes, a liberdade em excesso deu, a seguir, uns disparates muito grandes, (Risos) isso deu, de várias maneiras… Em relação à liberdade, o meu espaço acaba, quando começa o seu, ter essa noção é fundamental. Agora, liberdade sempre!
L: Já que estávamos a falar de desemprego… o que é que acha que deveríamos fazer para combater o número de sem-abrigo, desempregados?
S.O: E você sabe? Eu sei tanto como você… Se a economia não andar, se não houver exportações… vai continuar a haver mais desemprego, mais sem-abrigo, vai continuar a haver mais tudo, porque as pessoas quando não têm nada roubam ou matam ou se matam, como vocês sabem, então em Espanha tem sido um caus. Como é que se arranjam empregos?... Eu não sei, sabes Márcia?
M.B: Não sei, mas é assim, os sem-abrigo é um problema que eu não consigo por emparelhado com os desempregados. Há sem- abrigos por opção e há sem-abrigos porque já eram pessoas sem nada, antes de qualquer crise que lhes assoasse. Quanto ao desemprego, aquilo que eu tento perceber é se as empresas fecham. Põe os empregados… pelo menos dois terços vai para a rua, esses desempregados deixaram de ter poder de compra, sem poder de compra o comércio não funciona, o comércio não funcionando despede também os seus empregados, não funcionando o comércio não vale a pena fabricar-se coisas para os comerciantes, isto assim numa linguagem simplicíssima, como se fosse um traço . Não havendo industria não há, outra vez, colocação de pessoas qualificadas. E, para além disso, uma das coisas que a mim me apavora é uma espécie de chacina na classe média, que de repente, teve de pagar tudo, está com uma crise aos ombros superior, enquanto que há um mundo pobre e outro muito rico e depois no meio havia uma classe… que é a classe que faz mover os restaurantes, faz mover as lojas… quem compra aqui, acolá e acolí… essa classe tinha que existir e, não deveria ter sido, destruída como foi.
Toda a gente sabe, que há muito tempo, os subsídios de férias, de Natal… eram para as pessoas endireitarem qualquer coisa que tinham em divida … ou era a prestação mais alta do carro ou era qualquer coisa que tinham de comprar para os filhos, não interessa, o que fosse…
Se, de repente, por artes dos berliques e berloques isso não existe e de repente, porque foi de repente… diga-me lá, como é?
Além dos créditos bancários que têm de pagar, que são muitos, ficaram sem essa hipótese de terem… A Classe média tem tendência a desaparecer, foi absorvida. Uns não se aguentam e vão para baixo, os outros ficam para ali no limbo. Como é que de repente uma empresa não tem dinheiro? Isso eu não engulo!
L: Acham que existe um excesso de poder, por parte dos governantes?
M.B: O poder é um excesso, por si próprio. Há excesso de poder não, há decisões que o poder as autoriza e quando são contestadas, são viradas de tal maneira que parece que nós é que não devíamos ter feito aquilo porque está errado, eles é que tinham razão. Eu isso não … eu afogo muito com essas coisas, não sou capaz. Dá-me a sensação que percebo o joguinho, o joguinho. Há um grande jogo e há o joguinho e estes políticos que atualmente, não direi todos, há muito joguinho, muito pouco interessante, muito pouco inteligente, pouco culta.
S.O: Muito joguinho e muito joguinho, sobretudo, debaixo do pano também.
M.B: Uma classe que não lhes interessa, absolutamente nada do que se passa com a cultura. Eles não sabem… se perguntarem àquela gente toda, quantas vezes foi ver uma peça, um filme, quantas vezes se sentou a ver um concerto… não vão, nem sabem porquê. A escravatura do número é o que se passa há três ou quatro anos.
S.O: Todos nós falamos da história dos recibos verdes… eu toda a vida trabalhei a recibos verdes em 55 anos. Nunca tive contrato com ninguém, não tenho subsidio de férias, não tenho subsidio de Natal não tenho nada.
Aline Araújo; Pedro Emidio; Rute Fidalgo
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