quinta-feira, 27 de junho de 2013

"Os jornais estão a apanhar a maior pazada de todos os tempos..."

À Conversa com... Simone de Oliveira e Márcia Breia ( Parte IV)

L: Como é que é ser artista, em tempo de crise?
S.O: É viver com o que há. Continuar a ser digno, continuar a fazer aquilo que se faz com paixão e com verdade, continuar, até porque qualquer país tem de continuar a ter músicos, bailarinos, atores, atrizes, tudo, tem que continuar.
M.B: Numa área que eu conheço muito bem, que é o teatro, também num país como o nosso, pequeno, não com as vistas muito profundas e não muito esclarecido… não se pode entregar os teatros ás bilheteiras e toda a gente tem direito ao seu projeto artístico, mais complicado, menos complicado… Essas companhias eram, normalmente, subsidiadas, outras viviam, realmente, só da bilheteira… o que em alguns casos eu achei sempre muito errado. Como é que se deixa um circo morrer, entregue a uma bilheteira?... e é uma arte necessária, foi sempre. Não estou a falar das “enjeroquices” que, às vezes, as pessoas inventam para brilhar e não sei o quê, não. Estou a falar de coisas concretas que pertencem ao status todo de uma nação, de um país, de um povo… levaram uma grande machadada!
Estou a falar do teatro, mas a música também, o bailado também, quer dizer, eu, pessoalmente, se tivesse algum poder de decisão dentro desse tipo de pessoas, fazia uma coisa que acho que se devia fazer… Ninguém faz mais nada! Fecham-se as portas… Não é destruir ou dissolver as companhias todas, nada disso! Acabámos, não fazemos mais! Não há palhaços, não há coisa nenhuma, não temos dinheiro para… e depois vai-se ás entidades competentes que estão na Comissão Europeia dizer: Em Portugal, fecharam todas as atividades culturais, por não haver qualquer apoio, por termos sofrido os maiores cortes…
É uma vergonha! Não é possível ter um país, da União Europeia, que não tenha uma atividade cultural, alguma coisa deveria sair daí.
É um país, onde o único jornal que as pessoas leem é o Metro, porque o entregam na estação, já nem os jornais as pessoas leem, os jornais estão a apanhar a maior pazada de todos os tempos…
Ao São Carlos, continuam a ir as pessoas que têm dinheiro. Mas as pessoas não terão direito a um tipo de cultura mais “rafinhé”, tem de ser tudo casca grossa e vamo-nos rir, não.

L: Porque é que acha que a classe de reformados é tão atacada e porque é que a comunicação social dá uma maior importância aos reformados com pensões milionárias?
S.O:  Enquanto eu me lembrar daqueles senhores muito ricos que foram fazer aquela situação de angústia, que tinham 57 mil euros de reforma e tiraram-lhes 7 mil…Entrou lá um senhor… se eu soubesse que, naquele dia, eles estavam lá, eu tinha lá ido com ele, não tinham lá em casa um filhos que lhe dissesse: “ Oh pai, é melhor não se meter nisso… alguma pessoa que ganhe 350 euros por mês vai lá e é capaz de lhe dar uma grande tareia”. Fazem uma reunião de indignados, porque lhes tinham tirado 7 mil euros de reforma… por amor de Deus! O que é isto? Isso é notícia? Claro que é notícia… naturalmente, não é notícia a senhora que vive em Moimenta da Beira e que, coitada não tem um bocadinho de pão para comer e aqueles senhores dão notícia, são capa de revista.
Querem muito fazer capa, fazer capa… ou é muito pelas grande desgraças, pelas grandes paixões, pelos grandes divórcios ou é pelas pessoas ricas, que coitadinhas estão muito aflitas porque lhes tiraram 7 mil euros, por amor de Deus!
M.B: Eu tenho uma visão irónica sobre isto. Acho que é a maneira de resolver o problema da terceira idade, matando-nos a todos que temos mais de 65 anos, à fome.
S.O: Achas? Nem que eu tenha de comer raízes pá! A mim não me matam aí! Nós daqui a cinco anos, somos um país de velhos.
M.B: Ah ainda não somos?!
S.O: Ainda não, totalmente, mas põe lá mais cinco anos. Já somos, mas daqui a cinco anos somos um país só de velhos, porque a gente nova vai-se embora.

L: Existem pessoas que já não se querem reformar, preferem continuar a trabalhar?
M.B: Mas isso, para mim, é outra jogada…
S.O: Está bem, mas eu também me reformei aos 65 e continuo a trabalhar.
L: Como acham que vamos (Portugueses) estar daqui a uns anos?
M.B: Eu não quero pensar muito nisso, porque já tenho quase setenta (Risos).
S.O: Eu também não quero, porque tenho 75. O que é que quer que eu lhe diga aos 75 anos? Tenho esperança… adoro viver! Não sei o que me acontece amanhã, cai-me uma telha em cima da cabeça, eu sei lá.
Agora, se esta gente mais nova não tiver uma atitude qualquer de querer… são vocês, não somos nós, que temos 65 ou 67 ou 75 …

L: O que pode ser feito? Outro 25 de Abril?
M.B: Porque não.
S.O: Porque não.
M.B: Teria outras características…
S.O: Não era a mesma história, é outra história completamente diferente. Mas nós, apesar de tudo, acomodamo-nos muito… isto é uma chatice.

L: Acham que há uma visão muito errada da profissão de artista? Que ganham muito bem e têm boas vidas…
M.B: Alguns ganham.
S.O: Alguns ganham e alguns têm essas vidas, é uma percentagem pequena, mas alguns ganham e têm essas vidas. Não vou dizer que não, porque não é verdade, não somos é nós. Alguns ganham e têm essas vidas e espero que tenham a calma e o bom senso para poderem continuar, durante o resto… porque essa gente hoje tem uma idade muito nova. Há gente a ganhar bem e há gente que merece, com certeza.
Agora os grandes glamours das revistas, não se esqueçam que eles têm todos patrocínios e eu nem para a escova de dentes. Desde as malas, os sapatos os carros…
Eu vou, sim senhora, vou ao Augustus e à Buda, vou lá pedir emprestado, não tenho vergonha de dizer, depois devolvo. Mas eles têm patrocínios contínuos.
M.B: Eu posso dizer, a maior parte desse “fru fru” de glamour existe, porque existem já os meios apropriados para fomentar isso, que são as revistas cor-de-rosa.
S.O: Claro. A gente não tem dinheiro para aqueles fatos todos, aqueles sapatos, aquelas marcas todas. É evidente que não. Mesmo tendo dinheiro, aqueles fatos custam, quer dizer… mas é evidente que há patrocínios para tudo: para os perfumes, para os cremes, para os automóveis, para os sapatos, para as malas…
M.B: Para as joias…
S.O: Para as joias. Depois há uma outra falanche que não, que vai pedir, como eu sou capaz de pedir… mas não em continuidade. O carro é meu, mas é meu, não fui pedir emprestado. Não é “toma lá o carro um ano ou dois” e há. Ainda bem que têm, eu não estou a dizer isto com inveja.
O que vem nas revistas, quer dizer… é como aquelas fotos dos paparazzis, forma muito bem preparadas, com certeza. Eles estavam naquele sítio, na praia, atrás daquela árvore, apanhados ali de repente, por acaso … (tom irónico).
M.B: Tens toda a razão…
S.O: Alguém que telefona e diz fulano ou beltrano vai estar…. Por que há, porque existe, porque convém aparecer nas revistas. Se eu encontrasse alguém, atrás de mim, com uma máquina… ia a máquina, ia o paparazzi, ia tudo! Mas isso é uma coisa que existe, eu não estou a fazer uma crítica, estou a fazer um comentário. Não faço uma crítica, porque não tenho que a fazer, porque não aceito que me façam críticas a mim. Sobre esse aspeto, tenho uma grande dificuldade…

L: Pedem-lhe ajudas económicas?
S.O: Normalmente telefonam-me, sobretudo de instituições. Isso, normalmente, se eu posso… para crianças, para hospitais, eu faço. Isso pedem-me muito, é dia sim, dia sim, como borlas para várias coisas, borlas é pro bono. Fiz todas na vida, todas! Desde que comecei a cantar, fiz tudo…não me acusa a consciência de não ter feito uma… desde ser preciso cadeiras de rodas, a hospitais, tudo! Se eu olhar para trás, naturalmente, não fiz todas as que me pediram, porque se não, não tinha feito mais nada. Farei sempre que me pedirem, deste que seja uma coisa sustentável, em que eu acredite.

Como farei para a APAV, porque eu acho a violência doméstica uma das coisas mais drásticas, deste país… isso e a pedofilia. Eu capava-os a todos, portanto…capava-os e depois mandava-os para o Alentejo cavar, oito horas por dia, das oito da manhã às oito da noite. Dava-lhes o almoço, o jantar e a água… punha-os a cavar ali…. Tenho muito pouca capacidade de perdão, para esta gente… não tenho, não tenho nenhuma. Não percebo, não entendo, não quero perceber… não dá, não dá, de maneira nenhuma, não dá.

Aline Araújo; Pedro Emídio; Rute Fidalgo  

* Devido à sua dimensão, a entrevista encontra-se dividida em vários posts

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