sexta-feira, 28 de junho de 2013

"Roma não deveria ter a fortuna que tem"

À Conversa com... Simone de Oliveira e Márcia Breia (Parte V)

L: Num tempo como aquele em que vivemos, qual é ou deveria ser o papel da Igreja?
S.O: Não me fale de Igreja, que entramos já numa discussão muito grande. Para já, Roma, não deveria ter a fortuna que tem. Roma poderia fazer vários hospitais, em vários sítios carenciados, de toda a África, e continuava com muito dinheiro. Portanto, eu acho que este papa está metido num grande sarilho. Quando Roma tem um banco, é um estado…
M.B: Quando nos referimos assim à Igreja, a ajuda local, em Portugal, tem sido simpática. Eu penso que muitas freguesias, têm conseguido superar um determinado tipo de crise, com as pessoas m
ais necessitadas.
S.O: Quando me fala de Igreja… a Igreja para mim é Roma, não é propriamente aqui as nossas coisas que ajudam.

L: Acha que os idosos são uma classe esquecida?
S.O: São. Completamente. Esquecida, maltratada. Não aceito que as pessoas deixem os pais nos hospitais. Eu deitava-me no chão, quem me dera ter a minha mãe viva. Deitava-me no chão, em cima da pedra, ao lado dela. A vida não me deixou… levou-me a minha mãe muito cedo, quando eu tinha 33 anos, não sou capaz de perceber…
Não sou capaz de perceber, o que é isto? Que desumanidade é esta? O que é que se passa? E depois vão à Igreja bater com a mão no peito? Algumas vão: “ Nosso senhor disse que temos de ser muito bonzinhos” Porra! desculpe lá o porra.
Outra coisa, para a qual não tenho, o mínimo, de capacidade de entendimento. Não temos lugar? Temos! A filha vai para o chão e dá a cama à mãe. É assim que eu sinto, é assim que a minha alma sente.

L: Que conselho daria aos jovens, que estão a terminar o curso neste momento?
S.O: Olha que escolhessem outra coisa qualquer- refere-se ao jornalismo (Risos). Pasteleiros, vão para o campesinato… É uma psicose… modelos, atrizes e jornalistas, não percebo, não percebo… Pronto é a escolha deles e ainda bem.
M.B: É o sonho deles e se a conjuntura não fosse a atual, a comunicação poderia ter alguma coisa noutros sítios, não só a escrever. A comunicação pode ter outra maneira de atuar, não é. Sendo que uma das mais nobre é, efetivamente, o jornalismo. Eu, para mim é uma das mais nobres.
S.O: Sim, claro. Com certeza.
M.B: Mas não há só o Jornalismo, na comunicação. Agora o concelho para os jovens, olhe que eu não sei… Acho que devem seguir, se conseguirem… se a vida ainda lhes deixa, se os pais, as mães, os tios ou quem é que está a subvencionar isso, porque já ninguém pode viver por conta própria… Os filhos estão em casa cada vez até mais tarde, porque não podem ter casa, não podem comprar casa, não podem ter coisa nenhuma…
Portanto, se têm alguma hipótese, acho que devem continuar os seus sonhos e depois logo se vê.
S.O: Ah, sim, sim. Eu acho que as pessoas devem ser… aliás, como diz a cantiga “O sonho comanda a vida”, uma pessoa fazer uma coisa, na vida, de que não gosta… é uma coisa trágica, trágica. E eu tive a sorte, de fazer toda a vida aquilo de que gostava, por mero acaso, mas fiz, faço o que gosto e pronto.
Mas faz pena… nós temos gente de qualidade! Como os enfermeiros, varrem ai os enfermeiros todos para fora, porque cá não têm lugar e há falta de enfermeiros!
M.B: Mas aí vamos bater ao que se disse, no início. O que está errado é a maneira como se está a resolver uma crise, que não pode ser resolvida assim, de todo!
S.O: Lá fora, são todos considerados extraordinários, porque são. Nós temos uma qualidade de trabalho muito boa.
Faltam médicos, faltam enfermeiros, aqui. Também me parece que entrar, para medicina, com média de 19, também me parece um disparate, para já. Ninguém me diz, que um rapaz que entra para medicina, com 19, é melhor médico do que aquele que entra com 15. Não tem nada a ver uma coisa com a outra, acho que o 19, para medicina, uma coisa… excessiva, excessiva.
M.B: É uma maneira de selecionar… um tipo que tem 19, a medicina, teoricamente sabe alguma coisa. Teoricamente… mas toda a gente sabe, que o ensino deveria ser mais experimentado que experimental. As pessoas têm que fazer estágios… bater no duro… e então o 19 serve para muito mais do que serve o 15.
S.O: Agora faz pena que esta gente…e nós temos gente com muita base, depois faz o quê? Não me pergunte a mim o que pode fazer, porque eu não sei responder. Não sei, sinceramente não sei responder nem o que se faz, nem como se faz. Que isto tem de ter uma saída qualquer, para bem deste país, tem que ter. E, naturalmente, é capaz de estar ligado a tudo o que pode acontecer na Europa, não é só por nós.
M.B: o problema é que, quando a crise se instalou aqui, nós já tínhamos uma vida muito baixinha, muito razinha. Enquanto noutros sítios, a vida, para eles, também se complicou muito, sobretudo nalguns países em que nunca se estaria à espera… eles já tinham um nível de vida, muito diferente, nós vamos bater no fundo, já batemos! Nós nunca tivemos as condições que eles têm… O nosso patamar era muito baixinho e ainda desceu mais…

S.O: Agora, quem é que pode resolver? Ou como é que isso se resolve? Ou que volta é que isto vai dar? Sinceramente, eu acho que ninguém, em verdade, se quiser ser sincero, lhe vai dizer, ninguém sabe… Se nós não sabemos, amanhã, como é que está a porcaria dos descontos, do abono e do não sei o quê em duodécimos, nós próprios não sabemos…é uma chinesice, vamos aqui atirar luas, não é? não sei…
Os políticos, esses é que lhe podem responder… agora a cantante fica-se por cantante e por atriz e olhe que já é uma luta… e já é uma luta desgraçada…
Eu estou aqui, em frente do televisor…Todos os dias há uma coisa diferente, a mesma pessoa diz-se e desdisse. E depois, toa a gente comenta…
M.B: Isso é uma profissão que existe agora…
S.O: Comentadores que ganham, com certeza, mais do que eu tenho de reforma… por cada vez que lá vão! São todos comentadores, mas isso é uma coisa portuguesa, desde sempre…desde o berlinde, até sermos jogadores de bancada, nós sabemos de tudo. É uma coisa nossa, é uma coisa típica portuguesa… Toda a gente faz comentários, é uma coisa que me põe doida. Eu daquilo que não sei, não falo.
Como é que se resolve? Não me pergunte a mim que eu não sei… para que é que eu lhe vou dizer que sei, se não sei… porque realmente não sei, embora eu não queira passar ao lado… não entendo.

Aline Araújo; Pedro Emidio; Rute Fidalgo 

* Devido à sua dimensão, a entrevista encontra-se dividida em vários posts


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