segunda-feira, 24 de junho de 2013

"Eu acho que nasci livre, mesmo quando não havia liberdade"

 À Conversa com... Simone de Oliveira e Márcia Breia (Parte I )



O LusOnda, esteve à conversa com Simone de Oliveira e Márcia Breia. Uma conversa que teve como tema central a economia, mas passou pelas mais diversas áreas como a política e as artes.  

Ambas, revelaram não saber quais as soluções a aplicar à conjuntura económica portuguesa, desmistificando ainda a profissão de artista e a visão que os portugueses têm dos mesmos.                    
                                      
LusOnda: O seu percurso é conhecido, pelo mais diverso público, rádio, televisão, tem um livro, lançou recentemente um CD… A nossa questão é a seguinte: algum dia pensou ou gostava de ser, por exemplo, Ministra das Finanças?

Simone de Oliveira: Deus me livre! Alguma vez na vida? Nossa senhora…não,não,não. Nunca quis ser outra coisa, a não ser aquilo que sou. Costumo dizer que me chamo Simone e canto cantigas. Em 55 anos eu fiz tudo: representei, cantei, escrevi, tive na vossa posição, chorei não chorei. Agora, ser Ministra do que quer que fosse, nunca na vida! Até porque eu não podia ser ministra porque às três por quatro abria a boca e era presa ou metia algum ministro num sítio qualquer. Não podia ser, não podia ser…
Tudo o que metesse politica, para mim era sempre muito complicado. Eu acho que nasci livre, mesmo quando não havia liberdade. Vocês nasceram livres, isso é ótimo, extraordinário e brilhante. Eu nasci antes de haver liberdade, por isso era muito complicado, para mim, seguir qualquer área da política. Não dava com o meu feitio, não dava com as mentiras, com as aldrabices, com aquilo que não se diz, o que está escondido, com a não verdade, com o enganar, não sou eu.

L: E não acha que deveriam ser essas pessoas a estarem na política?

S.O: (Risos) Mas nós é que escolhemos, nós votamos. Uma coisa que podemos fazer é votar e quando votamos acreditamos, com certeza, num determinado programa, em determinadas pessoas. Se elas falham depois, eu penso que…depois é muito complicado, porque, normalmente, elas falham. Nós acreditamos nas pessoas… o que acontece com os amigos. Acreditamos num amigo, que nas costas nos dá uma grande facada, muitas vezes, infelizmente.
Portanto, eu quero ainda acreditar, no meio disto tudo, que haverá gente que quererá fazer as coisas com uma certa lisura. Depois ou o contexto não ajuda ou o poder fascina, sobretudo o dinheiro fascina muito e o poder, as duas coisas juntas são terríveis.


L: Mas imagine que era Ministra… que medidas tomaria para diminuir o desemprego?

S.O: Não lhe sei responder, não são coisas que se possam responder desta maneira. Para ser ministra tinha que estar dentro dos assuntos, dentro dos dossiers e não é uma coisa que eu lhe diga: eu fazia isto, fazia aquilo, fazia aqueloutro. Não sei como é que se faz. Espero que hajam meia dúzia de cabeças, que sejam capazes de resolver esta situação, não só aqui como na Europa, porque isto é um contexto europeu, não é só um contexto de Portugal. Mas o que se pode fazer ou como é que isso se resolve… penso que a vossa geração tem muito mais a ver com isso do que eu. Eu tenho a idade que tenho, sou avó, portanto não sou eu que vou resolver coisa nenhuma. Agora vocês é que têm de resolver, partindo do vosso princípio, se é que ainda têm sonhos. Porque eu acho que vocês acabaram por perder muito do que nós tínhamos, a nossa geração, que era o sonho. Nós sonhávamos com a liberdade… o homem não tinha ido à lua, não havia telemóveis, não havia máquinas de filmar, não havia nada, sonhávamos com isso tudo.
Vocês têm isso tudo e, às vezes, dá-me a sensação que não sabem utilizar isso a vosso favor, é o que eu penso é o que eu acho. Aliás, há meia dúzia de anos atrás, no Porto, vieram ter comigo meia dúzia de raparigas Universitárias que me disseram isso exatamente. “Nós não tivemos aquilo que vocês tiveram”, o sonhar, o querer, o querer poder conversar, poder andar na rua sem andarem sempre atrás de nós, o poder acender um cigarro e não nos tirarem o isqueiro, era preciso licença para o isqueiro, coisas que a vocês não vos passam pela cabeça, não é?! E que nós, aliás, tenho aqui presente uma grande amiga minha, a Márcia Breia, uma das grandes atrizes deste país, que é um pouco mais nova que eu mas que passou por essas fazes todas e isso vocês, dá-me a sensação que vocês para irem para a frente, têm de ir um bocadinho para trás. Então como é que foi lá para trás? Como é que, realmente foi? Como é que era?
Vocês vivem neste dia-a-dia: está tudo muito mau, está tudo muito mau, mas depois ir lá para trás… Quem é o Aznavour? Ninguém sabe quem é. Ninguém sabe quem foi o Aznavour, o Renaissant, a Piahf…


Márcia Breia: Era Francês…

S.O: Era Francês … Qualquer dia ninguém sabe quem foi o José Carlos Ary dos Santos ou o David Mourão Ferreira. Eu acho que vocês querem muito para lá, mas têm de ir um bocadinho mais atrás e perceber as coisas. Continuo a dizer que vocês não sabem nada do que foi a Guerra de África. O que nos trás até aqui, a esta liberdade, está lá para trás, nos nossos mortos todos ou não mortos ou mentiras ou não mentiras. Vocês não sabem nada disso… porque não vos ensinaram, porque não foi posto nos liceus, porque nunca se chegou ao 25 de Abril. As pessoas chegaram ao 7º ano e a história não foi contada…

Aline Araújo; Pedro Emídio; Rute Fidalgo 
*Devido à dimensão da entrevista, a mesma será dividida em vários posts. 

Sem comentários:

Enviar um comentário