quarta-feira, 27 de março de 2013

«A Guiné está completamente de joelhos»


António Aly Silva, é a voz que nos dá a conhecer a realidade da Guiné-BissauDepois de ser detido sem acusação em Bissau, o jornalista António Aly Silva decidiu refugiar-se em Portugal. É em Lisboa que continua a alimentar o maior blogue do continente africano, Ditadura do Consenso, que conta mais de 6,5 milhões de visitas. Na primeira parte da entrevista exclusiva ao LusONDA, Aly explica como os políticos se demitiram da gestão do pequeno país africano, como a Guiné se tornou num narcoestado e como o resto do mundo decidiu ignorar o «problema guineense» e assobiar para o lado. A segunda parte desta entrevista será publicada na próxima semana.

Qual a situação atual da Guiné e quem domina a política de hoje?
 A Guiné Bissau, a 12 de abril de 2012, teve um golpe de estado em que o governo eleito acabou por ser derrubado, tendo sido adiada a segunda volta das eleições. Até hoje temos um governo imposto por 4 países da nossa sub-região que é a CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental), temos um presidente igualmente imposto e um país bloqueado política e económicamente.   A Guiné foi expulsa da União Africana, não é reconhecida por nenhum País da União Europeia, não é reconhecida pelas Nações Unidas, e tudo isto a somar à fragilidade do próprio Estado. É traumatizante até porque do povo ninguém fala. As pessoas falam em meia dúzia de políticos que querem poder e ninguém se lembra que quem vota nos políticos é o povo de quem, infelizmente, ninguém quer saber.


São várias as notícias que acusam a Guiné Bissau de se tornar num narco-estado. Até mesmo a ONU apelidou assim o país. Que soluções propõe?
 O problema da droga é muito complicado. A ONU estima que cerca de 900 kg de cocaína chegam por dia a Guiné-Bissau. A Guiné consegue exportar cocaína 40 vezes superior ao seu PIB num ano e isto tem as suas consequências. Não para nós porque não consumimos e nem temos sequer dinheiro para comprá-lo, mas a Guiné é tipo um “trampolim”, onde todos chegam, metem e saltam.
 Mas o mais extraordinário é que toda a gente fala da droga mas ninguém aparece para dizer ‘vocês não têm meios mas nós podemos ajudar’ .
 A Guiné é um país pequeno e está completamente de joelhos.

Que papel poderia potencialmente ocupar a Guiné, num contexto mundial ou regional?
 Assim, de repente, nenhum. Quando um país não é reconhecido por exemplo pelos maior parceiro bilateral, que é a União Europeia, é complicado. Quem reconhece a Guiné são apenas quatros países da CEDEAO: o Senegal, o Burkina Faso, a Nigéria e a Costa do Marfim. De resto, mais ninguém. E a CEDEAO é um conjunto de 16 estados, mas só 4 é que impõem...

Neste momento quem é o inimigo? Políticos, militares ou o narcotráfico?
 Isto do narcotráfico ser o inimigo até certo ponto pode ser verdade. Eles têm dinheiro, e num país sem ordem, sem leis, o narcotráfico quer é países assim. Quando se fala em narcotráfico fala-se também em terrorismo. Procuram países instáveis em que as pessoas são facilmente subornadas onde a corrupção é endémica, onde o analfabetismo é cronico e é isto que me preocupa. A Guiné-Bissau ser deixada assim. Começamos a ouvir todo o tipo de discursos que são disparates autênticos. Antes de Junho ou Julho irá haver um problema outra vez. E ai vão dizer o quê? A Guiné-Bissau está num estado que considero anárquico. Um país onde o Estado existe apenas em Bissau e onde há alcatrão. E quando tens um país como o nosso, que tem um território marítimo maior que o continental, um país que tem 90 ilhas e quando não há praticamente Estado dentro da capital... podemos esperar o pior. Temos ilhas desabitadas que são autênticos armazéns de cocaína.
É triste porque a Guiné Bissau é um país membro das Nações Unidas, da União Africana, da CEDEAO mas não faz parte da agenda Internacional. Está esquecida.

Cláudia Martins e Cláudia J. Matos

3 comentários:

  1. Bem esclarecido a situação que se vive no meu país Guiné-Bissau. Obrigado António Aly Silva por ter dado o mundo a conhecer o verdadeiro problema que passa na Guiné-Bissau em cada oportunidade que lhe surge!

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  2. Ser independente não que dizer que você é o dono da toda verdade,mas sim é compartilhar essa verdade com mundo.Força Antonio Aly Silva estamos juntos nessa luta para construção de uma sociedade mas justa e humana!

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