quarta-feira, 22 de maio de 2013

Isaías Samakuva - "...Em tudo o que fazemos, o homem é o ponto de partida e o ponto de chegada".


Isaías Samakuva, 66 anos, atual Presidente do maior partido da oposição de Angola, a UNITA (União Nacional para a Independência Total de Angola), esteve em digressão politico-diplomática pelos EUA e Europa, e durante a sua passagem por Portugal deu uma entrevista exclusiva à LusOnda. O Presidente esclarece-nos como se mantém José Eduardo dos Santos no poder; descreve o estado social atual e o crescimento económico de Angola. Revela-nos, ainda, as falhas da democracia e a luta pela mudança, que segundo ele, está para breve. Estabelece os cinco problemas que “são doentes que precisam urgentemente de uma ambulância para ir ao hospital, pois não vão por conta própria” e confessa que ações tomaria se fosse presidente. Descreve ainda sentimentos, em relação a Angola, demonstrados pelas comunidades Angolanas pelo mundo. Pede mais participação e sacrifícios aos Angolanos, na luta contra o autoritarismo.

LP: Na última década, Angola foi dos países que mais cresceu economicamente. O rendimento e a qualidade de vida dos cidadãos Angolanos, acompanhou esse crescimento? Houve um aumento da classe média?
Isaías Samakuva: De facto direi que, estatíscamente, Angola tem crescido de uma forma extraordinária. E  quero explicar, antes de mais, as razões para este chamado crescimento económico. Angola atravessou um período de guerra, durante o qual, as suas riquezas naturais não podiam ser exploradas. Portanto, as áreas que têm essas riquezas estavam vedadas ao acesso de investidores ou empresas que quisessem explorá-las. Então, essas riquezas mantiveram-se dormentes e nativas, sem serem exploradas. Entretanto a guerra terminou. Com o fim da guerra, foi possível ter acesso às áreas que têm essas riquezas, como por exemplo, o diamante. Por outro lado, o petróleo que antes custava, durante a guerra, 16$ o barril, viu o preço a disparar para níveis acima dos 100$. Por outro lado, a produção de petróleo que era de 740 mil barris/ dia, disparou para 2 milhões barris /dia. Então, tudo isso fez com que Angola estivesse em condições de arrecadar muitas receitas. Portanto, por um lado as receitas de Angola subiram extraordinariamente, mas nós vemos que este chamado “crescimento económico” não tem beneficiado os cidadãos angolanos. Beneficia apenas um pequeno grupo de dirigentes do poder, enquanto a maioria do povo sofre. Logo, se de um lado se diz que há um crescimento económico, do outro lado há uma baixa, um decréscimo de qualidade de vida. Não há reabastecimento de água em condições, o sistema de saúde não funciona, a educação é bastante débil, a habitação e por aí fora… consequentemente também decresceu a esperança média de vida dos angolanos, que se situa nos 45 anos. Eu diria que, por um lado o crescimento é crescimento porque antes não se fazia praticamente nada, e agora de repente, pode fazer-se muita coisa. Mas a situação é a mesma.
LP: Encontra-se neste momento em digressão político-diplomática, começou nos EUA e agora está pela Europa. Quais os principais sentimentos que tem encontrado junto dos seus compatriotas Angolanos, nos países por onde passou? Eles desejam voltar a Angola?
IS:Eu viajei para os EUA, Inglaterra, Bélgica, Holanda, Alemanha, França, Espanha, Amesterdão, agora aqui em Portugal, e um dos pontos principais da minha agenda é exatamente o encontro com os meus compatriotas Angolanos. Na troca de opiniões entre eles, o que eu pretendo saber é o que eles pensam sobre o seu país. Infelizmente, o sentimento dos angolanos, é um sentimento misto, de frustração, de esperança, e de revolta também. Os angolanos encontram-se fora do país forçados pelas condições que o seu próprio país vive. Gostariam de estar em Angola mas não podem porque sabem que não há condições para eles viverem bem. Então, muitos gostariam de regressar se a situação mudasse. E a situação muda como? Se falam tanto de um crescimento económico, o que é que eles querem mais? Afinal o dinheiro não vale tanto quanto a liberdade. Os angolanos querem sentir-se livres, querem estar num país onde há liberdade de expressão, onde podem tratar-se facilmente num hospital, onde podem ter uma proteção, onde podem ter oportunidades como os outros. É isso que faz com que os angolanos não regressem ainda. Poucos estão a regressar, mas a maioria que eu encontrei é aquela que diz que gostaria de regressar se as condições melhorassem.


LP: Em Paris disse que “Só um povo com coragem, que consente sacrifícios, é que se liberta”. Esclareça-nos a parte de “consentir sacrifícios”. Acha que o povo de alguma maneira se deve conformar?
IS: Não, se formos a ver os países livres hoje são livres porque primeiro tiveram um povo corajoso, mas não lhes chegou a coragem. Tiveram de consentir sacrifícios, que para alguns representou a perca da própria vida. Mas para outros representou sujeitar-se a humilhações, sujeitar-se a trabalhar em condições péssimas. Portanto, só assim é que as pessoas se libertam. Daí esta minha afirmação em Paris, porque no diálogo que tive com os angolanos lá, encontrei uns que diziam que gostavam de participar mas que só iam se pagassem o bilhete da viagem, outros que diziam que até para ir a reuniões tinham que lhe pagar o bilhete, mas eles têm sempre dinheiro para a cerveja e para ir à discoteca.
LP: Com tantas denúncias de corrupção, falta de transparência e opressão, como se consegue manter, José Eduardo dos Santos no poder?
IS: É estranho não é? De facto, é difícil de compreender. Toda a gente sabe que ele é corrupto, toda a gente sabe que é ele que está a usufruir dos dinheiros do país sozinho, com a sua família. Mas o homem continua aí. É difícil de explicar, mas na prática é assim, ele é corrupto mas vai corrompendo também aqueles que acha que lhe podem causar problemas. Então vai distribuindo alguns envelopes e infelizmente as pessoas gostam muito de dinheiro, e cedem. Muitas vezes até podem dar dinheiro como uma forma de caridade, mas aquele montante de dinheiro, psicologicamente, fica como ‘alguém que ajudou’, alguém a quem se deve um favor. E no momento em que pensa reclamar, ou protestar, começa a pensar ‘ah mas ele deu-me dinheiro, se calhar pode-me dar mais’ então ele utiliza essas vias todas, é sofisticado em relação a este aspeto. Muito sofisticado.
LP: “ANGOLA QUER A MUDANÇA, ANGOLA SE PREPARA PARA A MUDANÇA, ANGOLA JÁ ESTÁ CONSTRUINDO AS BASES PARA A MUDANÇA.” Se o povo “quer a mudança, e sabe bem que a pode trazer” porque é que ainda não a trouxe?
IS: Não, porque o povo estava cheio de medo. Porque a intimidação é uma arma que o José Eduardo dos Santos utiliza. Portanto o medo, o próprio medo. Eles intimidam toda a gente, e as pessoas têm exemplos concretos de pessoas que desaparecem e de pessoas que são mortas, só por terem dito alguma coisa. Ora, enquanto o sofrimento não atingiu os limites que atingiu agora, este medo serviu para manter o povo distante duma situação de mudança. Mas o que é que aconteceu? O sofrimento agora é tanto que as pessoas estão a chegar àquele momento em que, de qualquer das formas, já não perdem nada. De modo que, isso tudo leva tempo a passar, hoje as pessoas já estão com coragem. Quando nós fizemos a primeira manifestação em Luanda a Março do ano passado, tivemos que pagar transporte para trazer pessoas à manifestação. Gastámos acima de 250 mil dólares para trazer as pessoas para a manifestação. Em Agosto fizemos outra, já não foi preciso pagar nada. Tivemos cerca de 150 mil pessoas na rua em Março, e em Agosto triplicou. Paulatinamente, o medo está a desaparecer. As pessoas hoje falam de voz alta, na rua, no táxi, nos autocarros, contra o regime. Portanto, este é um passo significativo para essa mudança de que nós estamos a falar.
LP: Qual seria a sua principal preocupação se lhe fosse dada oportunidade de governar?
IS: Ora, eu defini cinco prioridades que na minha maneira de ver, iriam alterar completamente o país. São elas: Emprego,Saúde, Educação,Habitação e Segurança Social.  Antes de mais as pessoas precisam de emprego, mas também de Educação. As pessoas precisam de ter hospitais em condições, onde se possam tratar quando estiverem doentes. Em quarto as pessoas precisam de habitação, uma pessoa sem habitação não é quase ninguém. As pessoas também precisam de ter a certeza que na velhice, ou se tiverem um acidente, podem ter ajuda. E portanto, a segurança social é algo que também tranquiliza as pessoas. Definindo estas cinco áreas, não quer dizer que estejamos parados em relação às outras. É aqui que nós vamos prestar toda a atenção e vamos também procurar atribuir orçamentos ou verbas significativas para o orçamento geral do Estado. Costumamos dizer a esse respeito que, para nós, para tudo o que fazemos, o homem é o ponto de partida e o ponto de chegada. Então aquilo que beneficia o homem tem de ser a nossa prioridade.  
LP:  Que ajuda pode dar a Angola, um país como Portugal cujos governos têm falhado grandemente no que diz respeito às contas do País? Tem sentido apoio por parte de Portugal?
IS: Eu penso que apesar das condições difíceis que Portugal atravessa, devia primar pelos valores. Nós hoje temos relações de sangue, há famílias que se estendem de Angola para Portugal e de Portugal para Angola. Portanto, é importante manter esta relação, mas é importante, também, que Portugal, nas suas relações exija princípios da parte Angolana. Esta relação devia obedecer, de certo modo, a essas condições. Então, é isso que nós viemos procurar, também, transmitir ao governo e às autoridades portuguesas, no sentido de ajudarem.
LP: Qual é, neste momento, a solução para Angola? Acha que será possível chegar a algum acordo com o atual Governo?
IS: Nós fazemos questão para que seja possível. É verdade que tem sido muito difícil, nós tentámos estabelecer um diálogo permanente com as autoridades angolanas. Nós temos procurado transmitir as nossas ideias, porque pensamos que só quando há possibilidades de dialogar é que conseguimos chegar a rumos consensuais. Temos tido dificuldade em encontrar abertura do lado do povo angolano, mas não temos outra via. Nós temos de procurar todas as formas precisas para que esse diálogo seja possível.  
LP: O que tem a dizer relativamente à liberdade de expressão, ou à falta dela, em Angola?
IS: Se um povo ou um cidadão não se pode exprimir, então temos de aceitar que vivemos num regime ditatorial, num regime autoritário. E nós estamos muito preocupados com a falta de liberdade. Não só a liberdade de imprensa, mas também liberdades individuais dos Angolanos, que têm sido constantemente violadas. O facto de os jornalista serem perseguidos, alguns deles até mortos, as ameaças a que estão sujeitos permanentemente, isso preocupa-nos imenso. De modo que, isto faz parte da nossa luta, faz parte dos nossos pressupostos para atingirmos a liberdade que todos desejamos.
LP: Uma mensagem para a comunidade estudantil angolana da Universidade Lusófona.
 IS: Eu gostaria nestes termos de deixar uma mensagem de esperança. Os angolanos, e não só os angolanos, mas todos devem aproveitar Angola. Angola é um país promissor, apesar das dificuldades que atravessa hoje, nós estamos cheios de esperança. A mudança está mesmo a caminho, está quase a chegar. E então, a partir daí tudo se fará com melhores condições, e por isso mesmo, a minha mensagem é que todos estejam cheios de esperança. E espero que não haja assim tanta incerteza nas potencialidades do nosso país.

Cláudia Évora


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