A tarde é de chuva, Jerónimo Madureira encontra-se
num sofá da sua sala, com um robe cinzento vestido para o proteger do frio.
Este homem de faces robustas mas olhos carinhosos combateu na guerra colonial
em Angola entre 1965 e 1967 recordando esses dias num diário intitulado “O meu passado em Angola em Defesa da Pátria”.
Diário "O meu passado em Angola em defesa da Pátria |
Um certo brilho nasce nos olhos deste valente
combatente, mas o orgulho que sente em ter pertencido a tal companhia também
lhe trouxe alguns desgostos.
“Foram tempos complicados” afirma Jerónimo quando
começa a relembrar os anos que passou fora do seu país com os restantes membros
da companhia.
Partiram para solo angolano a 28 de Maio de 1965
pelas 13 horas. Na despedida, milhares de pessoas choravam em terra, com a já
saudade e incerteza se viriam a ver os seus entes queridos outra vez.
Chegaram a terras angolanas a 6 de Junho de 1965 e os
dias seguintes foram passados em Grafanil sem nenhuma ocupação especial.
Cada dia era passado de forma diferente, nuns dias
estavam de escolta, noutros de limpeza ao quartel “não haviam dois dias iguais”
afirma.
A 10 de Julho saíram para uma operação chamada “Milho rei”. Consistia numa operação de 3
dias na mata onde destruíram cobotas. Numa passagem referente a essa operação
lê-se “Neste dia 12 pelas cinco horas da
tarde apareceu um inimigo que dispara um tiro no coração de Mário Bernardo que
logo caiu por terra já morto em terra”. O dia seguinte foi passado “admirar
morto” e despedir-se do colega de combate.
A própria companhia construía estradas para melhorar
as passagens que tinham de atravessar.
Apesar de estarem numa guerra colonial, os desastres
aconteciam mesmo fora de combates ou confrontos imprevisíveis. A nove de
Outubro um desastre de automóvel deixou um 2º sargento ferido assim como dois
soldados.
O primeiro natal passado fora do seu país foi
passado em família com os colegas combatentes, estando em descanso desde dia 23
até dia 26, passados em paz. No entanto na véspera de ano novo, pelas duas
horas da tarde um grande combate irrompeu, havendo até bombardeiros, mas “não
houve nenhum azar” comenta Jerónimo, dizendo que foi um alívio ninguém ter
morrido naquele combate.
O primeiro dia de 1966 foi passado numa operação que
acabaria no dia seguinte, e no regresso ao quartel todos os combatentes iam
atentos a um possível que ataque que felizmente não chegou a acontecer,
chegando são e salvos ao quartel às onze da noite.
Devido à constante chuva e frio que se fazia sentir,
Jerónimo adoeceu e ficou de cama durante quatro dias, nos quais a sua companhia
partiu para mais uma operação da qual regressaram novamente sem nenhuma baixa.
Emblema da Companhia |
Algo que este homem se lembra é de uma grande
tempestade que houve a 24 de Março. Apontou esta tempestade no seu diário pois
nunca tinha ouvido uma trovoada tão grande “ o céu iluminava-se de tal maneira
que parecia dia! E o barulho dos travões era assustador até mesmo para quem
combate na guerra”.
Durante uma pausa dos trabalhos, decidem fazer um
jogo de futebol no qual a equipa de Jerónimo ganhou por 3-1.
Em Junho de 1966, durante mais um grande combate o
1º cabo levou um tiro na perna, que devido à falta de um hospital acabou por
ser a sua morte.
Foi precisamente um ano depois a Junho de 1967 que a
estadia desta companhia em Angola chegou ao fim. Para a sua despedida houve um
desfile de todas as unidades que nesse dia abandonaram a terra. Acabado o
desfile foram para o comboio que os levaria até ao barco. Os dias seguintes
foram passados em água até ao terceiro dia de Julho, quando às oito horas da
manhã chegaram a Lisboa, mais concretamente ao Cais de Alcântara.
Foi o fim da guerra colonial para esta companhia,
mais não o fim de uma amizade. Até aos dias de hoje, todos os anos a companhia
se reúne num almoço, que se prolonga até ao jantar, relembrando história
antiga, cantando e recordando todos aqueles que se perderam nas batalhas.
Cátia Martins
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