sábado, 18 de maio de 2013

Passado em Angola


A tarde é de chuva, Jerónimo Madureira encontra-se num sofá da sua sala, com um robe cinzento vestido para o proteger do frio. Este homem de faces robustas mas olhos carinhosos combateu na guerra colonial em Angola entre 1965 e 1967 recordando esses dias num diário intitulado “O meu passado em Angola em Defesa da Pátria”.
Diário "O meu passado em Angola em defesa da Pátria
Um certo brilho nasce nos olhos deste valente combatente, mas o orgulho que sente em ter pertencido a tal companhia também lhe trouxe alguns desgostos.
“Foram tempos complicados” afirma Jerónimo quando começa a relembrar os anos que passou fora do seu país com os restantes membros da companhia.

Partiram para solo angolano a 28 de Maio de 1965 pelas 13 horas. Na despedida, milhares de pessoas choravam em terra, com a já saudade e incerteza se viriam a ver os seus entes queridos outra vez.
Chegaram a terras angolanas a 6 de Junho de 1965 e os dias seguintes foram passados em Grafanil sem nenhuma ocupação especial.

Cada dia era passado de forma diferente, nuns dias estavam de escolta, noutros de limpeza ao quartel “não haviam dois dias iguais” afirma.

A 10 de Julho saíram para uma operação chamada “Milho rei”. Consistia numa operação de 3 dias na mata onde destruíram cobotas. Numa passagem referente a essa operação lê-se “Neste dia 12 pelas cinco horas da tarde apareceu um inimigo que dispara um tiro no coração de Mário Bernardo que logo caiu por terra já morto em terra”. O dia seguinte foi passado “admirar morto” e despedir-se do colega de combate.
A própria companhia construía estradas para melhorar as passagens que tinham de atravessar.
Apesar de estarem numa guerra colonial, os desastres aconteciam mesmo fora de combates ou confrontos imprevisíveis. A nove de Outubro um desastre de automóvel deixou um 2º sargento ferido assim como dois soldados.

O primeiro natal passado fora do seu país foi passado em família com os colegas combatentes, estando em descanso desde dia 23 até dia 26, passados em paz. No entanto na véspera de ano novo, pelas duas horas da tarde um grande combate irrompeu, havendo até bombardeiros, mas “não houve nenhum azar” comenta Jerónimo, dizendo que foi um alívio ninguém ter morrido naquele combate.

O primeiro dia de 1966 foi passado numa operação que acabaria no dia seguinte, e no regresso ao quartel todos os combatentes iam atentos a um possível que ataque que felizmente não chegou a acontecer, chegando são e salvos ao quartel às onze da noite.
Devido à constante chuva e frio que se fazia sentir, Jerónimo adoeceu e ficou de cama durante quatro dias, nos quais a sua companhia partiu para mais uma operação da qual regressaram novamente sem nenhuma baixa.

Emblema da Companhia
Algo que este homem se lembra é de uma grande tempestade que houve a 24 de Março. Apontou esta tempestade no seu diário pois nunca tinha ouvido uma trovoada tão grande “ o céu iluminava-se de tal maneira que parecia dia! E o barulho dos travões era assustador até mesmo para quem combate na guerra”.

Durante uma pausa dos trabalhos, decidem fazer um jogo de futebol no qual a equipa de Jerónimo ganhou por 3-1.
Em Junho de 1966, durante mais um grande combate o 1º cabo levou um tiro na perna, que devido à falta de um hospital acabou por ser a sua morte.

Foi precisamente um ano depois a Junho de 1967 que a estadia desta companhia em Angola chegou ao fim. Para a sua despedida houve um desfile de todas as unidades que nesse dia abandonaram a terra. Acabado o desfile foram para o comboio que os levaria até ao barco. Os dias seguintes foram passados em água até ao terceiro dia de Julho, quando às oito horas da manhã chegaram a Lisboa, mais concretamente ao Cais de Alcântara.

Foi o fim da guerra colonial para esta companhia, mais não o fim de uma amizade. Até aos dias de hoje, todos os anos a companhia se reúne num almoço, que se prolonga até ao jantar, relembrando história antiga, cantando e recordando todos aqueles que se perderam nas batalhas.

Cátia Martins

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