Os anos passam e a guerra perdura. As memórias,
ainda hoje, são vivas. Para a grande maioria dos ex-combatentes ultramarinos, o
cenário de guerra esteve sempre presente. Muitos encontraram conforto em más
bases: Tabaco, álcool, solidão, isolamento, impulsos constantes. As famílias são as que mais sofrem, a seguir
aos ex-soldados. São pessoas que acompanharam todo o processo doloroso de
re-adaptação em Portugal. Processo definido por mazelas, a nível psicológico, que marcam várias
gerações.
Deolinda
Cardoso da Silva, 89 anos, uma mãe que vive dias infernais com o seu filho,
ex-combatente ultramarino. Joaquim da Silva de 61 anos, embora conte com o
apoio da Associação Portuguesa dos Veteranos de Guerra, residem ,ainda,
diariamente na sua mente, memórias, como uma nódoa dificil de tirar. Passa os
seus dias revoltado com os traumas de guerra, e com o facto destes o impedirem
de realizar simples tarefas diárias, como
o seu trabalho no campo. No ramo afectivo, desde que regressou da Guiné,
nunca esteve com uma mulher. A única pessoa que o acompanha e tenta ajudar é a
sua mãe. Deolinda, sofre de uma perturbação secundária de stress
pós-traumático. Assume que também precisa de apoio: “Estou tão cansada de viver
estes dias, assim, em silêncio. Nunca tive qualquer tipo de ajuda, e bem
precisei. Eu posso dizer que não gosto de mim própria, e nem sei explicar o
porquê! Provavelmente o devo a uma data de porrada que apanhei do meu filho.
Noites e noites a fio a ouvi-lo gritar e a chorar por gente que nem chegou a
conhecer pessoalmente”. Esta mãe, foi vítima de violência doméstica, tanto a
nível físico como psicológico. Tem sido o grande pilar de Joaquim, portador de
uma perturbação psicológica crónica. Com o tempo, Joaquim foi percebendo que
não seria a sua mãe quem deveria pagar pelas suas mágoas. Assim sendo, passa a
refugiar-se, sozinho, num mato, relativamente perto da sua casa. Grita, chora e
pede para que, fantasmas como estes, decidam partir e nunca mais voltar. Os
seus dias são passados a trabalhar no campo, sempre a mesma rotina. Deolinda
afirma que o seu filho precisava de algo que o estimulasse, tal como a outras
vítimas coloniais: “nós vivemos no campo, longe de tudo e de muita gente. Não
temos dinheiro para viver na cidade ou num sitio “melhorzinho”, onde o Joaquim
encontrasse uma moça ou amigos, que lhe dessem a vida que ele tinha em pequeno.
Um sítio que lhe desse novas oportunidades para estudar e trabalhar. Eu não me
importo de morrer aqui, sozinha. Quero que ele se salve enquanto é tempo! A
vida é só uma, e eu sei que a missão dele não é fazer esta vida, sempre a
pensar no mesmo. A minha missão já está cumprida, já o acolhi, já fiz dele um
homem! Falta-me é vê-lo feliz. Com aquela cabeça longe do que é mau…”
Deolinda
é um exemplo de coragem e de força de vontade. Uma idosa ,com poucas posses
monetárias mas com um amor incondicional ao seu filho, que todos os dias vê desperdiçadas
horas e horas da sua vida. Sem marido, gere sozinha os campos e a sua pequena e
humilde casa. Orgulha-se de nunca ter ficado a dever favores a ninguém. Tem
pena dos anos infelizes que passou junto do seu filho, mas ainda sonha com um futuro melhor para ele. Joaquim da Silva, uma vítima da Guerra que
ninguém queria mas que o Governo ordenava.
Sofia Conde
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